segunda-feira, 19 de julho de 2010

Coisas que eu sei hoje que eu não sabia que eu ia saber quando eu cheguei aqui

O Canadá é um país bem diferente do Brasil, em vários aspectos. As ruas são diferentes, principalmente em cidades espalhadas como Calgary - raramente você vê um poste de luz na sua janela da frente, a fiação ou é enterrada, ou passa pelo que eu chamo de "rua de serviço" - uma rua pequena, estreita, que passa entre as ruas principais, e onde ficam as garagens das casas, as lixeiras e os cestos azuis do lixo reciclável, e é por onde passam os caminhões de lixo (obviamente, já que as lixeiras estão lá), e onde a vizinhança costuma guardar a tranqueirada. Embora as casas não costumem ter cercas ou portões na frente, normalmente a parte de trás é fechada, embora raramente alguém coloque um cadeado na porta de cerca - e as cercas são geralmente baixas, normalmente um metro e meio.

Fica mais bonito assim, a bagunça da vida cotidiana fica escondida na parte de trás e a parte da frente fica bonita e organizada. Nem todos os bairros são assim - nas vizinhanças mais novas, a garagem fica na frente e as ruas de trás não existem. Não sei se eles fazem isso para economizar espaço, mas eu acho as vizinhanças mais antigas mais bonitas, mais pelo fato das casas não terem a garagem na parte da frente. A vantagem das casas com a garagem na parte de frente, por outro lado, é que o jardim atrás fica sempre bonito (já que não tem garagem ou espaço para juntar tralha), e a garagem fica integrada à casa, o que deve ser ótimo no inverno.

Bom, mas eu ainda não cheguei no assunto do título - coisas que eu sei hoje que eu não sabia que eu ia saber quando eu cheguei aqui.

Vamos lá:

Carro velho aqui não é necessariamente sinônimo de carro ruim - embora, é claro, um carro de 12 anos não é igual à um carro de dois meses.

E existe uma economia que gira em volta disso. Os manuais da Haynes, que eu sempre acho que vão me fazer virar um mecânico do dia para a noite, mas que só são uma leitura interessante. Um dia eu talvez abra o motor do carro e limpe os pistões e afins, mas... a coisa não é tão simples.

Uma coisa que me contaram à um tempo, mas da qual eu só fui usufruir agora, é um lugar chamado Pick-n-Pull. Basicamente, o lugar é um depósito de carros que não funcionam mais (o lugar é enorme), e onde você, armado com as suas próprias ferramentas, procura a peça desejada, tira do carro, leva para o caixa e paga. Eles tem até carrinho de pedreiro para ajudar a levar as coisas. As peças são bem baratas, embora se você precise de alguma coisa estofada, pode demorar para achar alguma coisa limpa. Semana passada eu fui lá para comprar o protetor de sol (aquele que fica no vidro, não sei se chama de tapa sol ou algo assim), foi cinco dólares, mais uma besteirinha que eu comprei para o Arthur - uma lâmpada da parte de dentro do carro que parece um olho biônico, tudo deu dez dólares.

Ontem a gente voltou lá para comprar um assento novo para o carro. A Caravan tem três fileiras de bancos, e a Soraya lembrou de ter visto uma (a do Kaka) em que a poltrona do meio reclinava, coisa que a nossa não faz. Lá fui eu tentar achar alguma assim, e olha que no fim das contas eu achei um negócio até melhor, uma poltrona que não só reclina, mas que tem um "assento escondido" (que você puxa, fica escondido no encosto), que revela um cinto de cinco pontos para crianças - o Arthur adorou. E foi só 25 dólares. Estava um pouco sujo, mas nada que os lenços umedecidos daqui não resolvam.

Nas últimas semanas eu gastei 250 dólares cuidando do carro. Arrumei dois pneus semi-novos para a parte da frente, dois pneus usados para a parte de trás (eu não ia comprar mas um dos pneus tinha arrebentado uma cinta de metal que tinha dentro e ficou todo torto, só para furar depois), troquei o motor de ignição, troquei os discos e pastilhas das rodas da frente, e, mais sensacional de tudo, aprendi como fazer os faróis do carro ficarem transparentes de novo:



O processo é banal - uma passada de lixa fina, uma passada de lixa extra-fina, e, de uma vez, sem repetir, passar de um lado para o outro (repetindo, só uma vez) um pano embebido em thinner - ou aguarrás. O segredo do pano (uma camiseta ou afim) é jogar o thinner em cima, e apertar até todo o excesso escorrer e não pingar mais. Nesta hora, deve-se cobrir a palma da mão e dos dedos com o pano, e passar rapidamente de um lado ao outro do farol - rápidamente = meio segundo por farol. Se demorar muito ou passar o pano mais de uma vez, o farol fica opaco de novo.

Sensacional.

O Canadá não os Estados Unidos.

E eles tem orgulho disso. Os Estados Unidos são o parceiro comercial mais importante do Canadá, mas também são simplesmente "os vizinhos de baixo". O Americano tem mais do que o Canadense - tem uma casa maior, um carro maior, mas também uma dívida maior.

Ter uma arma nos Estados Unidos é um direito, no Canadá, é um privilégio. Direito e privilégio são só duas palavras (right and privilege), mas o conceito grudou comigo depois que alguém me contou isso.

O Canadense me parece ser mais "ateu" do que o Americano. Aborto aqui e lá são legalizados, mas aqui a prostituição e o casamento gay aqui são legais, duas coisas que sempre batem de frente com religião.

Via de regra, o Canadense é educado e o Americano, nem tanto. Mas isso eu não sei de fato.

...

Hora de acabar de escrever e de começar a dormir. Terça-feira o Rapha (vulgo Chuck) chega aqui no Canadá para nos visitar. É bom receber o último integrante dos "quatro mosqueteiros" aqui em casa :-). Na Sexta-feira vamos para Vancouver, no Domingo para Victoria, na Segunda para Seattle, na Quarta para Portland, e na Sexta-feira começamos a voltar, dormindo no caminho (provavelmente em Spokane), e chegando em Calgary Sábado, no fim do dia.

Vai ser bom passar tanto tempo na estrada. Espero que a Van segure a bronca. Depois eu investir 20% do valor do carrinho, é melhor ela aguentar o tranco! Agora que o breque parou de apitar e eu troquei o donut, o carro está bem melhor - o donut é isso:



Um mini-pneu que você põe no lugar do pneu furado. O meu pneu furou Quinta-feira de manhã e eu tive que dirigir por 2 dias com isso na roda de trás - como o pneu é menor que os outros o carro fica uma droga de dirigir, pendendo para o lado onde o donut está, balançando que nem um barco, sem estabilidade, e com velocidade máxima de 75 km/h. Nunca mais.

Fui!

domingo, 4 de julho de 2010

Apanhado dos últimos dias

Nota do editor: A minha nova meta é dois posts por mês, já que esta é uma meta que eu provavelmente conseguirei cumprir.

Mudamos.

Foi uma trabalheira danada. Aluguei um caminhão, fiz uma viagem com as caixas (em que eu carreguei e descarreguei o caminhão sozinho), fizemos outra viagem com os móveis (em que eu tive ajuda), e eu fiz mais umas três ou quatro viagens de carro para levar a muamba que sobrou. Tudo isso foi na Sexta-feira retrasada. No Sábado, eu fui até o lixão de Calgary (um deles) para jogar fora uns móveis velhos que ninguém queria. Fica em algum lugar perto da 130 AV e, eu acho, 59 ST SE. Eles pesam o caminhão na entrada, você vai até o lugar onde a mercadoria tem que ser descarregada, para o caminhão, empurra toda a tralha para fora (é uma sensação e tanto jogar uma mesa para fora de um caminhão), e na saída eles pesam o caminhão de novo - no meu caso, 110 kg = 12 dólares. O lugar é interessante, para dizer o mínimo - o que mais me impressionou foi a quantidade de pássaros que sobrevoavam o local. O pessoal (meu chefe) fala que um dos problemas de morar por perto é a quantidade de cocô de passarinho que você vai ter que encarar.

Mudamos.

A casa nova é sensacional. Eu estou muito feliz com a planta da casa. Acho que não é só fase de "encantamento" não. A casa á mais integrada, mesmo com a cozinha sendo mais separada da sala do que na casa antiga. A cozinha, aliás, tem lugar para guardar as coisas e é grande e confortável - eu acho que cozinha de condo sempre é pequena - condo é engraçado, eles fazem um lugar ondem podem dormir umas 15 pessoas, mas onde só duas ou três podem estar na cozinha ao mesmo tempo. A sala é maior, deu para fazer dois ambientes, e os quartos são bons, embora os "das crianças" seja menor que o nosso. Mas o Arthur vai ter o quartinho dele, e a Hannah, o quartinho dela. Eu gosto da vizinhança, ontem eu precisei ir de bicicleta até a Canadian Tire, é tudo bem pertinho, o trêm é aqui do lado, e não tem a Sarcee Trail e seu barulho constante - ou seja, dá para ficar do lado de fora numa boa.

Mudamos.

E, agora que é época de férias, os dêz quilômetros a mais para ir trabalhar viraram só dez minutos à mais. Vamos ver como vai ser depois.

Outras praias...

Na Sexta-feira, o motor de ignição do carro, que já vinha dando sinais de que ia quebrar de vez, quebrou. O carro não ligava. Virava a chave e tudo que vinha era um clique. Tentei, tentei, mudei o carro de lugar, rezei para o Deus dos ateus, bati no painel (funcionou uma vez), e nada. Sábado, tentei de novo, e o carro continuou não funcionando.

Resolvi que ia tirar o motor de ignição (FYI, carro automático não pega no tranco), mas estava com medo de levantar o carro no macaco e morrer esmagado (o carro nem freio de mão tem - ainda bem que tem o "park" do automático para estas horas), e resolvi ligar para a AMA e pedir uma carona até o lugar onde vende a peça que quebrou, mas a AMA me disse que, se eles não arrumassem o carro por lá (ou se eles não deixassem), eu ia ter que pagar pelo próximo guincho. Resolvi ligar para um mecânico, mas aparentemente os mecânicos também tem família, e eles preferem passar um tempo com os seus familiares no final de semana.

Compreensível.

Sem opções, decidi que ia ser eu mesmo que ia resolver o problema. Achei um toco de madeira no formato certo, enfiei ele embaixo da roda traseira (o carro estava em uma leva descida), tirei o carro do "park", e vi que o toquinho podia, de fato, me garantir uma relativa segurança. Levantei o carro no macaco, e comecei a tirar o que eu achava ser o motor de ignição - quando, na verdade, eu estava tirando 1/4 dele, e contaminando tudo com aquele óleo nojento que fica embaixo do carro. A primeira visita à Canadian Tire foi para comprar a solenóide, que segundo os especialistas, é o que costuma quebrar. Pois bem, fui lá, o sujeito me mostrou uma bobina com uns fiozinhos, e eu pensei "WTF?", e voltei para casa para pegar a peça que eu tinha tirado, e o atendente me mostrou o que é o motor de ignição. Descobri que eu tinha tirado a parte certa, mas infelizmente, só tirei parte da parte.

Voltei para casa e fiquei por uma hora tentando tirar o motor de ignição do carro, mas o infeliz do gorila que apertou aquele maldito parafuso fez um bom trabalho, e voltei na Canadian Tire para comprar uma chave que fosse longa o bastante para eu conseguir afrouxar o parafuso.

15 minutos de xingamento depois, consegui tirar a peça inteira - eu talvez conseguisse tirar toda a peça se eu entrasse de verdade embaixo do carro, mas eu tenho muito amor à pele para fazer isso com o equipamento precário que eu tinha.

Com o motor de ignição em mãos, comecei o desmonte - mas, quando eu cheguei na pecinha que eu precisava abrir, me deparei com o trabalho do gorila monstruoso e não consegui girar um parafuso X. Vencido, mas não derrotado, resolvei jogar o "spray mágico de limpeza" (um spray que usa para limpar disco de freio) em tudo, inclusive dentro do motor, e deixei toda a sujeira preta escorrer. Repeti o procedimento em todas as partes, gastei meio rolo do papel toalha limpando tudo, montei o motor, e resolvi colocá-lo de volta no carro (vai que funcione).

Uma hora de xingamento depois, com a proteção do fio positiva quebrada e uma porca (do mesmo fio) mal encaixada, para os quais eu espero que dois metros de silver tape segurem a bronca, e o motor de ignição estava no lugar - a ordem certa é primeiro colocar o motor no lugar e então colocar os fios, mas para fazer isso tem que entrar embaixo do carro, e nem fudendo que eu ficar só com a parte de baixo do meu corpo de fora. Eu tenho fé na silver tape, e semana que vem eu vou levar o carro para arrumar o freio, e aí peço para o carinha dar uma revisada na minha gambiarra (e talvez colocar um fio novo).

Bom, peça no lugar, parafusos mega apertados, bateria reconectada, resolvei tentar ligar o carro, que alegremente respondeu aos meus pedidos e funcionou, redondinho. Desliguei e liguei de novo. Outra vez. E outra vez. E, desta vez, sem clique nem nada. Funcionou que é uma beleza.

Sensacional.

Quase fez valer a pena o dia inteiro gasto embaixo do carro, segurando uma peça de três quilos com a mão esquerda, enquanto tentando prender um parafuso com a direita, tudo isso xingando três gerações de fabricantes de automóveis.

A não ser que eu ache um jeito eficiente de levantar o carro, meus dias de mecânico acabam-se aqui. É muito trabalho. Eu tenho um novo respeito por esta profissão.

E, detalhe - meus dedos nunca vão ficar limpos de novo.

Fui!